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Lesão de Ligamento Cruzado Anterior

Após uma lesão de Ligamento Cruzado Anterior (LCA) em atletas o indicativo é operar, certo? Afinal se não operar a instabilidade será maior e terá maior risco de desenvolver osteoartrose de joelho, terá pior função e mais sintomas, como dor e inchaço. Na verdade, não. Um artigo publicado recentemente acompanhou atletas que operaram e atletas que não operaram durante 20 anos mostrou que não há diferenças funcionais objetivas e subjetivas entre os grupos.

Há uma pressão para que depois de uma lesão de LCA o paciente opere. Vamos a um caso imaginário: Uma pessoa jogando basquete sente um estalo ao aterrissar no chão após um salto. Vai para casa e percebe o joelho inchando. Coloca gelo, descansa um pouco e acha que vai passar. Depois de alguns dias resolve passar no pronto socorro e é solicitada um exame de imagem (ressonância magnética funcional) e o ortopedista que o atendeu já avisa “Olha, é muito provável que você terá que operar. Você rompeu o LCA e não é possível ficar sem ele. Se você não operar o risco de ter uma doença chamada osteoartrose é muito grande”. A pessoa fica assustada, confusa e ansiosa pelos resultados. Ela nem sabia que tinha um LCA e muito menos que ele poderia se romper. Depois de algumas semanas, com o resultado em mãos, ele vai a um novo ortopedista que já quer marcar a cirurgia em menos de 5 minutos de sessão.

Será que o tratamento cirúrgico é a melhor opção nesse caso? Antes de responder vamos entender melhor sobre a lesão de LCA e os resultados do artigo.

Após a ruptura do ligamento cruzado anterior, uma lesão comum em atletas, há dois tratamentos possíveis o tratamento cirúrgico e o tratamento não cirúrgico, chamado de conservador. O tratamento conservador consiste em fazer exercícios para manutenção da função (cinesioterapia) acompanhado de um fisioterapeuta. Um detalhe importante de frisar é que a fisioterapia é indicada também no tratamento cirúrgico tanto no pré quanto no pós-operatório para evitar complicações e favorecer o processo de recuperação.

Independentemente do tratamento escolhido, existe um risco para o desenvolvimento de osteoartrose (OA) de joelho. A prevalência de OA varia de 0-13% após a lesão de LCA. Ou seja, pode ser que mesmo depois da lesão de LCA você não desenvolva a AO. Quando há lesão com dano de menisco, a prevalência de OA aumenta para 21-48%.

Estudos anteriores com acompanhamento de 2, 5 e 10 anos já haviam mostrado que não há diferença estatística entre o grupo que operou e o grupo que não havia operado em relação ao desenvolvimento da AO. Neste estudo os pesquisadores acompanharam durante 20 anos os atletas de alto rendimento que tiveram ruptura total do LCA (1).

Todos os pacientes fizeram exercício físico, orientado por um fisioterapeuta, durante três meses após a lesão. Apenas após os três meses de tratamento conservador e a não diminuição da instabilidade, os pacientes receberam duas opções: participar da reconstrução do LCA (tratamento cirúrgico) ou evitar movimentos de pivotear para o resto da vida.

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[/iframevideo] Exemplo de movimento de pivoteio – o giro do corpo sobre a perna fixa no chão

 

Os pacientes que operaram fizeram isso entre os anos de 1994 e 1996 e os que não operaram tiveram o diagnóstico confirmado por artroscopia ou por ressonância magnética funcional. Eles preencheram uma série de questionários sobre a função do joelho e foram avaliados depois de 10 e 20 anos.

Dos 25 pacientes de cada grupo, 20 do grupo operado tiveram OA de joelho no mesmo joelho contra 17 do grupo não operado. A diferença, no entanto, não foi estatisticamente significativa. E 4 pacientes do grupo operado e 2 pacientes do grupo não operado tiveram OA no outro joelho *.

A função do joelho foi medida de forma subjetiva pelos pacientes que responderam os questionários Lysholm, IKDC subjective, Tegner, and KOOS. Esses questionários possuem perguntas que avaliam sintomas e função como dor e inchaço, capacidade de subir uma escada entre outros itens. A função do joelho foi medida através do uso de um aparelho que mede a estabilidade,  por dois testes (pivô-shift e o Lachman) e um teste de função (1-legged hop test). Não foi encontrado resultado significativo no hop test, mas houve diferença nos outros testes. Isso significa que o joelho do grupo não operado estava mais móvel que o grupo operado.

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Exemplo do aparelho utilizado para medir a estabilidade do joelho

 

Assim os resultados encontrados indicam que, mesmo em atletas de alto rendimento, não há evidência para indicar que o tratamento cirúrgico de LCA seja melhor que o tratamento  conservador.

Esse não é o primeiro estudo a apontar nessa direção. Outros artigos com populações diferentes sugerem que com exercício e mudanças nas atividades é possível manter um bom funcionamento da musculatura (1,2) e que o tratamento conservador não aumenta a chance de ter OA de joelho (3). Atletas jovens, por exemplo, possuem um risco maior de necessitar de uma cirurgia de revisão (uma segunda cirurgia) após a lesão de LCA (9). O tratamento conservador deve ser sempre a primeira opção mesmo em uma população de atletas (4). Ainda há discussão na literatura científica sobre esses resultados.  Uma revisão sistemática de literatura de 2016 mostrou que os dados ainda são inconclusivos em reação ao tratamento conservador ou tratamento cirúrgico como opção de se prevenir a OA de joelho após uma lesão de LCA. O artigo sugere como proposta de o tratamento conservador seguido, se assim necessário, da reconstrução tardia do LCA (10).

Voltado para o caso imaginário, ele é um atleta recreacional, isso significa que ele só joga de vez em quando. Ele não quer operar, afinal qualquer cirurgia possui riscos (ainda mais uma cirurgia em que é necessário tomar anestesia geral). Ninguém perguntou para ele se ele toparia trocar o basquete, a atividade que ele gosta de fazer por outra. Ninguém deu uma segunda opção que não envolvia uma cirurgia. E ele não queria operar.

Infelizmente isso acontece mais do que gostaríamos. E por que será que isso acontece? Uma razão é que a crença dos médicos interfere na capacidade de transmissão da informação, eles acreditam que a OA é mais prevalente em pessoas que não operar (apesar dos dados da literatura dizerem o contrário) e até mesmo a super valorização dos resultados (5,6). Os médicos tem a tendência de super valorizar os resultados em 40-50%. Essas crenças passam também para os pacientes que acreditam que os resultados serão melhores com uma operação (7,8).

 

Por isso pesquise, se informe e procure diferentes opiniões.

Dicas práticas

Converse abertamente com seu médico sobre as alternativas. Pergunte se ele conhece as estatísticas referentes ao LCA (pode usar os artigos citados aqui como referência) e suas possíveis complicações.

Se você pratica uma atividade física que tem risco como vôlei ou basquete, você poderia trocar por outras atividades, para evitar os movimentos de pivô?

Na sua profissão você faz movimentos de torção do joelho ou deslocamento lateral? É possível não fazê-los?

 

 

Referências
AGEBERG, E.; PETTERSSON, A.; FRIDÉN, T. 15-Year Follow-up of Neuromuscular Function in Patients with Unilateral Nonreconstructed Anterior Cruciate Ligament Injury Initially Treated with Rehabilitation and Activity Modification. The American Journal of Sports Medicine, v. 35, n. 12, p. 2109–2117, 30 dez. 2007.
BENNELL, K. L. et al. Patient Knowledge and Beliefs About Knee Osteoarthritis After Anterior Cruciate Ligament Injury and Reconstruction. Arthritis Care & Research, v. 68, n. 8, p. 1180–1185, ago. 2016.
CHALMERS, P. N. et al. Does ACL Reconstruction Alter Natural History? The Journal of Bone & Joint Surgery, v. 96, n. 4, p. 292–300, 19 fev. 2014.
DHILLON, K. S. "’Doc’ do I need an anterior cruciate ligament reconstruction? What happens if I do not reconstruct the cruciate ligament?". Malaysian orthopaedic journal, v. 8, n. 3, p. 42–7, nov. 2014.
DUNCAN, K. J.; CHOPP-HURLEY, J. N.; MALY, M. R. A systematic review to evaluate exercise for anterior cruciate ligament injuries: does this approach reduce the incidence of knee osteoarthritis? Open access rheumatology : research and reviews, v. 8, p. 1–16, 2016.
FAILLA, M. J. et al. Controversies in knee rehabilitation: anterior cruciate ligament injury. Clinics in sports medicine, v. 34, n. 2, p. 301–12, abr. 2015.
KIAPOUR, A. M.; MURRAY, M. M. Basic science of anterior cruciate ligament injury and repair. Bone and Joint Research, v. 3, n. 2, 2014.
KOSTOGIANNIS, I. et al. Activity Level and Subjective Knee Function 15 Years after Anterior Cruciate Ligament Injury. The American Journal of Sports Medicine, v. 35, n. 7, p. 1135–1143, 30 jul. 2007.
MARX, R. G. et al. Beliefs and attitudes of members of the American Academy of Orthopaedic Surgeons regarding the treatment of anterior cruciate ligament injury. Arthroscopy : the journal of arthroscopic & related surgery : official publication of the Arthroscopy Association of North America and the International Arthroscopy Association, v. 19, n. 7, p. 762–70, set. 2003.
MCCARTHY, M. et al. Hospital for Special Surgery ACL Registry: 2-Year Outcomes Suggest Low Revision and Return to OR Rates. HSS Journal ®, v. 13, n. 2, p. 119–127, 22 jul. 2017.
RENSTRÖM, P. A. Eight clinical conundrums relating to anterior cruciate ligament (ACL) injury in sport: recent evidence and a personal reflection: Table 1. British Journal of Sports Medicine, v. 47, n. 6, p. 367–372, abr. 2013.
VAN YPEREN, D. T. et al. Twenty-Year Follow-up Study Comparing Operative Versus Nonoperative Treatment of Anterior Cruciate Ligament Ruptures in High-Level Athletes. The American Journal of Sports Medicine, p. 36354651775168, 13 fev. 2018, Artigo Principal

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