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Você já teve caimbrã?


A caimbrã é uma contração involuntária, intensa e que acontece de repente na musculatura e é bem provável que você já tenha sentido ao menos uma vez na vida, afinal a prevalência de caimbrãs é de 50-60% na população de adultos saudáveis. Todos nós já ouvimos que comer banana ou até mesmo tomar uma bebiba cheia de “eletrólitos” antes do exercício serviria como uma proteção para evitar as caimbrãs. Mas vamos entender melhor sobre elas e ver se a banana realmente ajuda.

Uma caimbrã pode acontecer após uma diminuição de comprimento muscular e também pode causar dor e uma imobilidade temporária. Na grande maioria das vezes ela passa sozinha em alguns segundos ou minutos, mas há relatos de pessoas que sofrem por horas!

Não existe diferença da incidência (quantas vezes tem) de caimbrã entre homens e mulheres, exceto em mulheres grávidas, que tendem a ter menos caimbrãs (30-50% enquanto na população em geral varia de 50-60%). Em esporte de endurance, as caimbrãs tendem a ser mais intensas e mais longas

A etiologia é multifatorial ( = há vários fatores que causam a caimbrã), mas podem ser resumidas em 3 grupos

  • Caimbrãs patológicas – causadas por alguma doença como neuropatias, diabetes e desordens metabólicas.
  • Caimbrãs idiopáticas noturnas – episódios dolorosos que ocorrem quando a pessoa dorme sem uma explicação clara.
  • Caimbrãs associadas ao exercício – podem acontecer durante ou depois.

Várias hipóteses foram sendo formuladas para explicar as caimbrãs associadas ao exercício. O primeiro relato é de 1908 em mineiros que trabalhavam em ambiente muito úmido e com alta temperatura. Isso fez com que surgisse a primeira hipótese, a depledação de eletrólitos. Outras hipóteses seguiram essa ideia como a hipótese ambiental (que fatores ambientais como calor excessivo, causariam a caimbrã) e desidratação. De maneira geral o que se observou é que todas essas hipóteses estavam associadas à doenças, como diabetes, fazendo com que as caimbrãs associadas ao exercício continuassem sem uma hipótese clara.

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Vamos ver a seguir as duas principais hipóteses que propõe mecanismos fisiológicos para explicar as caimbrãs:

Hipótese neuromuscular

Em 1997 surgiu uma hipótese para explicar as caimbrãs associadas ao exercício na qual a caimbrã seria uma consequência de uma atividade reflexa anormal da medula, conhecida como hipótese neuromuscular. Nessa hipótese a fadiga muscular levaria a uma caimbrã devido ao desequilíbrio entre aferências excitatórias do fuso muscular e da diminuição das aferências inibitórias do órgão tendinoso de Golgi (duas estruturas presentes no músculos que enviam sinais para o cérebro do quanto de força está sendo produzido na contração e no tanto de distensão / estiramento aquele músculo está sofrendo, respectivamente), fazendo com que haja uma maior ativação dos motoneurônios alpha. Existem dois possíveis mecanismos para as caimbrãs de acordo com a hipótese neuromuscular: a central e periférica.

Mecanismo Central

A contração involuntária aconteceria por conta de aferências sensoriais alteradas por conta da fadiga muscular que desencadeariam um reflexo de contração em motoneurônios alpha (neurônios motores que mandam o sinal para que o músculo se contraia). Esse mecanismo provavelmente deriva de um motoneurônio hiperexitado (ativação prolongada do músculo) após a contração muscular que interfere no envio da informação sensorial. Seria algo como se seu cérebro não entendesse que deveria parar de contrair e continua mandando o sinal para que a contração aconteça, mas não existe mais ninguém ali capaz de contrair e, em uma tentativa final para agradar o cérebro, seu músculo fizesse um esforço para obedecer o comando, causando uma contração violenta e dolorosa.

Mecanismo periférico

A caimbrã seria consequência de uma descarga espontânea do motoneurônio ou por um excesso de ativação na sua região terminal. A descarga espontânea poderia acontecer em decorrência da ação mecânica ou por mudança na concentração de eletrólitos no meio extracelular durante o processo de encurtamento do músculo. Isso causaria uma descarga ectópica axonal que poderia ser transmitida aos axônios próximos, amplificando a caimbrã Seria algo como se o nervo que manda o sinal para o músculo se contrair entrasse em ação sozinho, sem envio de uma ordem vinda do cérebro e ainda chamasse os nervos próximos para que se contraiam juntos.

Na hipótese neuromuscular existem alguns estudos que mostram que a caimbrã acontece após um período de encurtamento do músculo e, caso ele esteja muito curto, o receptor sensorial localizado no tendão, Golgi, não conseguiria realizar seu papel de proteção contra as caimbrãs (o Órgão tendionso de Golgi faria a proteção contra as caimbrãs ao perceber uma tensão excessiva no músculo, enviaria para o cérebro um sinal inibitório para que fosse cessada a contração). Também a incapacidade do músculo de relaxar após o exercício, favoreceria com que houvesse os disparos esprontâneos dos motoneurônios periféricos. De maneira geral os estudos vem apontando que a origem da caimbrã é periférica, mas a sua manutenção envolve um mecanismo central de controle e possível neuroplasticidade (“aprendizado” da caimbrã) após ciclos de fadiga.

Hipótese de Desidratação e depledação de eletrólitos

De acordo com a hipótese de desidratação e depledação de eletróitos (depldedação = diminuição) as caimbrãs associadas ao exercício acontecem devido a uma grande quantidade de suor e falta de ingestão de líquidos. Isso faz com que aumente a osmolaridade extracelular e que haja uma migração de fluídos de dentro da célula para o espaço fora da célula (o fluído extracelular se torna hipertônico, e a água procura sempre se mover para a região com maior concentração de solutos, neste caso o espaço fora da célula). Consequentemente o espaço intersticial é expandindo, aumentando a pressão sobre os nervos que geraria uma excitabilidade alterada, desencadeando assim a caimbrã. No entanto há estudos que mostram que não há diferença de eletrólitos (potássio, magnésio, sódio, etc) em que tem caimbrãs e em quem não tem, e  nem antes e depois da caimbrãs há alteração dos eletrólitos. É também muito difícil de explicar como uma alteração sistêmica afetaria apenas um músculo. Infelizmente as evidências científicas dessa teoria são inconsistentes. No entanto há trabalhos que mostram que se você tiver uma desordem de eletrólitos como hiponartremiia (quando a concentração de sódio é muito baixa no sangue) e uma desidratação muito severa, a intensidade da caimbã é pior.

A desitração durante um exercício físico pode, de fato, levar a uma alteração do volume fora da célula e isso pode levar a uma hiperexitação do motoneurônio terminal e desencadear os potencias de ação espontâneos. Assim a desidratação seria o mecanismo inicial que dispararia o mecanismo explicado acima da hipótese neuromuscular.

Então não, comer banana (por conta do potássio – e olha que nem tem tanto potássio assim) ou tomar aquela bebida cheia de eletrólitos antes do exercício não irá prevenir a caimbrã.

Se você sente caimbrãs durante ou após o exercício, saiba que o alongamento do músculo com caimbrã é a melhor forma diminuí-las. Ao alongar o músculo com caimbrã você ativa o órgão tendinoso de golgi que envia sinais inibitórios para o cérebro e auxilia ao retorno do equilíbrio muscular.

Caso você sinta caimbrãs com frequência sem fazer exercício, procure um médico e investigue a origem dela, pois pode ser por alguma doença.

Esse artigo foi baseado no : Muscle cramps: A comparison of the two-leading hypothesis. Giuriato et al., 2018

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