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Será que a reabilitação tradicional para uma lesão de Ligamento Cruzado Anterior é suficiente?

Um componente importante da reabilitação após uma lesão de ligamento cruzado anterior – LCA (clique aqui para entender melhor sobre a lesão) é o treino neuromuscular. A grande maioria das abordagens do treino neuromuscular focam mais nos fatores mecânicos e musculares, como força, equilíbrio e pilometria e dão pouca (às vezes nenhuma) atenção aos componentes neurológicos. Isso talvez ajude a explicar a taxa de insucesso alta das reabilitações – cerca de 30%. Estudos sobre neuroplasticidade vêm mostrando que após a lesão, reconstrução e mesmo após a reabilitação existe um processo de neuroplasticidade mal adaptativa que pode limitar a função e o retorno ao esporte. Assim é preciso reabilitar também o cérebro – funções neurais.

Informação sensorial após a lesão de Ligamento Cruzado Anterior

O sistema sensorial recebe informação de três vias – vestibular, visual e somatosensorial – integra essa informação e envia ao sistema neuromuscular para que seja mantido o controle e estabilidade. Após a lesão de LCA há um déficit de processamento da interação entre o sistema visual e o somatosensorial.

Esse sistema visual é fundamental para manter a coordenação e controle do movimento enquanto organiza as interações com o ambiente e forças externas. O feedback visual é necessário para executar os movimentos em sequências e aumentar a dificuldade e variabilidade de uma tarefa.

Após uma lesão de LCA as aferências sensoriais (informação que vai ao sistema nervoso central) estão alteradas por conta da falta de sinais sensoriais do ligamento rompido (há receptores nos ligamentos que dão a informação do posicionamento da articulação) e do aumento da sinalização dos receptores de dor (nociceptores) por conta do inchaço e do processo inflamatório local. A informação sensorial alterada junto com a instabilidade, a atrofia muscular e movimentos compensatórios (como sobrecarga na outra perna e adaptação no tornozelo e quadril) decorrentes da lesão facilitam com que haja uma adaptação do controle motor, favorecendo um processo de neuroplasticidade que resulta em uma eferência (informação que vai para o corpo) neuromuscular inadequada.

As lesões de LCA podem levar a uma cascata de alterações neuroplásticas e neuromusculares que aumentam a dependência do feedback visual e do planejamento motor para o controle dos movimentos de joelho.

Assim após a lesão de LCA há um aumento do feedback visual para manter a estabilidade da articulação, privando o sistema nervoso central de usar os recursos que deveriam estar focados na interação com o ambiente. Isso pode ser exemplificado quando você pede para a pessoa fechar os olhos e o equilíbrio e controle postural é muito pior quando comparado com pessoas que não sofreram lesão e quando estão de olhos abertos.

Essa alteração da função neural não é recuperada com a reconstrução cirúrgica do LCA e pode, até mesmo, aumentar e ou se tornar bilateral (afetar o joelho não lesionado). E, muitas vezes, em um processo de reabilitação os aspectos neurais de um treino neuromuscular não são valorizados, favorecendo assim o risco para uma segunda lesão uma vez que o feedback visual e o planejamento motor estão sobrecarregados em ambientes fora da clínica. Há relatos de pessoas que apresentam uma coordenação ruim de movimento por anos após a lesão, mesmo passando por um processo de reabilitação tradicional.

A função motora normal pode até ser restaurada em uma clínica, onde é possível prestar bastante atenção na execução do movimento, mas em um ambiente de prática esportiva dificilmente esse será o caso pois é preciso considerar as várias variáveis (bola, jogadorres, posição no campo, estratégia de jogo) de uma prática esportiva.

Reabilitiação do ligamento cruzado anterior típica

Normalmente os exercícios de propriocepção usados para a reabilitação focam no controle do movimento mais interno, como evitar o excesso de valgo de joelho. Esse foco interno tem benefícios, principalmente no início da reabilitação, no qual é preciso desenvolver ou restaurar um padrão motor ou contração muscular para execução de uma tarefa. Outra parte importante da reabilitação são os exercícios de fortalecimento que focam na musculatura que movimenta o quadril e joelho.

O problema disso é que quando pensamos nas atividades de vida diária (como subir uma escada) e na atividade esportiva é necessário manter uma atenção no ambiente pois há alterações a todo o momento e mudanças de pistas visuais, diferentemente do ambiente da clínica de reabilitação na qual não há muita movimentação, os objetos estão sempre no mesmo local e existe uma cor predominante no espaço. Esse ambiente controlado da clínica é muito diferente do que o paciente irá encontrar na “vida real”, onde a movimentação deveria estar direcionada ao ambiente e depende de um controle motor automatizado.

Por exemplo, em uma lesão de LCA sem contato, acontece uma falha no controle neuromuscular enquanto a atenção está direcionada para o ambiente na qual há uma intensa e dinâmica interação de estímulos (estímulo visual, atenção aos jogadores / bola, pertubações não previstas, estratégias de jogo, planejamento motor e tomada de decisão). E normalmente as atividades de reabilitação não levam isso em conta.

 

Treinamento neuromuscular

Para treinar o sistema neural é possível usar diferentes estratégias que aumentam a demanda neuromuscular e podem ser incluídas de maneira progressiva no processo de reabilitação como diminuir a acuidade visual com óculos que mudam de opaco para claro promovendo um input visual intermitente; seguir diferentes objetos, execução de tarefa que incluam atenção espacial, tempo de reação e memória visual; adicionar tomada de decisão e antecipação de jogadas simuladas; realizar dupla tarefa (seja motora – trabalhar membros superioes e inferiores de maneiras diferentes ao mesmo tempo; ou cognitiva – tarefas de memória, como guardar uma sequência numérica) e interação com outros jogadores.

Desta forma o fisioterapeuta busca facilitar o retorno da função autônoma somatosensorial e diminuir o controle de cima para baixo, cortical sobre o sistema visual (ex. manter os joelhos sobre os dedos em um agachamento).

No MoveAbilities trabalhamos, no começo, com exercícios indoor em ambientes controlados. Conforme a pessoa progride é realizado o treinamento outdoor no qual buscamos reproduzir as características da prática esportiva ou da atividade de vida diária da pessoa para favorecer o seu processo de recuperação. Caso você tenha uma lesão entre em contato para saber as possibilidades de tratamento.

Referência

GROOMS, D.; APPELBAUM, G.; ONATE, J. Neuroplasticity Following Anterior Cruciate Ligament Injury: A Framework for Visual-Motor Training Approaches in Rehabilitation. Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy, v. 45, n. 5, p. 381–393, 30 maio 2015.

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